O DISCURSO DE MILLÔR FERNANDES: ceticismo, humor e criticidade

Resumo

Com ampla e plural produção, Millôr Fernandes foi um jornalista, com veia artística criativa, crítica, cômica e cética, que marcou, sobretudo, a sociedade brasileira na segunda metade do século XX. Em suas falas e escritos, Millôr criticou as instituições oficiais, como o governo militar, a família tradicional brasileira, o sistema capitalista e a grande imprensa. Ao se analisar sua produção com fundamento na teoria dialógico-discursiva proposta pelo Círculo de Bakhtin, pode-se considerá-la como um discurso profusamente dialógico que centrifuga, pelas armas da zombaria e ceticismo, os discursos oficiais, centrípetos, imbuídos de valores conservadores, demonstrando, refrativamente, suas fragilidades e hipocrisias. Ora, a síntese de seu pensamento pode ser encontrada na obra “Millôr Definitivo: a bíblia do caos” (2020), que apresenta um compilado de enunciados como um dicionário às avessas, em que as palavras não são trazidas como unidades da língua, cujos significados são estabilizados e cristalizados, mas, antes, como unidades reais da língua viva, saturadas dos valores e ideologias de Millôr, as quais entram em relações de sentido criticamente responsivas com os discursos oficiais. Objetiva-se, nesse contexto, compreender, com base nas reflexões propostas pelo Círculo de Bakhtin, o discurso crítico, de natureza cética e humorista, de Millôr Fernandes, de modo a, concebendo-o inserido na complexa cadeia comunicativa, identificar quais as relações dialógicas estabelecidas entre ele e os demais elos da corrente, entendendo, ainda, como se engendram essas relações e quais as suas naturezas. Objetiva-se, também, nessa mesma lógica, identificar como se perfazem o ceticismo, a ironia e o humor de Millôr presentes nos enunciados, bem como qual a sua importância para a promoção dos efeitos de sentido discursivos. Para tanto, como referencial teórico-metodológico, pesquisam-se as ideias de gêneros do discurso, dialogismo, refração, ideologia e estilo, a partir das reflexões do Círculo de Bakhtin, em especial, Bakhtin (2011;2014) e Volóchinov (2019), e de seus comentadores, como Brait (2012), Faraco (2009) e Miotello (2012). Trata-se, portanto, de uma pesquisa sob a perspectiva da análise dialógica do discurso. Observa-se que a análise bakhtiniana do discurso crítico-pirrônico milloriano enseja a compreensão de sua visão sobre a língua, bem como de suas ideologias e axiologias sobre a vida conjugal e os afetos e valores que se lhe associam.